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Artigo na Science liderado por doutorando do INPE evidencia antigas comunidades indígenas escondidas pela floresta com uso de sensor laser aerotransportado

A floresta mais diversa do mundo, a Amazônia, pode também abrigar mais de 10.000 registros de obras pré-colombianas (construídos antes da chegada dos europeus), de acordo com um novo estudo. A nova pesquisa combina tecnologia de ponta em monitoramento remoto, com dados arqueológicos e modelagem estatística avançada para quantificar quantas obras de...
publicado: 05/10/2023 19h50 última modificação: 06/10/2023 12h08

A floresta mais diversa do mundo, a Amazônia, pode também abrigar mais de 10.000 registros de obras pré-colombianas (construídos antes da chegada dos europeus), de acordo com um novo estudo. A nova pesquisa combina tecnologia de ponta em monitoramento remoto, com dados arqueológicos e modelagem estatística avançada para quantificar quantas obras de terra ainda podem estar escondidas debaixo do dossel da floresta amazônica e em quais locais essas estruturas são mais prováveis de serem encontradas.

O estudo liderado pelos pesquisadores brasileiros do INPE, Vinicius Peripato (doutorando da Pós-graduação em Sensoriamento Remoto-INPE) e Luiz Aragão (também chefe da Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do INPE - DIOTG/CCGCT/INPE) foi assinado por uma equipe composta por 230 pesquisadores de 156 instituições localizadas em 24 países de 4 continentes. Segundo Peripato, “O estudo indica que a floresta amazônica pode não ser tão intocada quanto muitos pensam, já que quando buscamos uma melhor compreensão da extensão da ocupação humana pré-colombiana (antes da chegada dos europeus) na região, nos surpreendemos com a grande quantidade de potenciais sítios ainda desconhecidos pela ciência”.

A equipe de cientistas chegou a esta conclusão após a identificação de 24 novos registros arqueológicos, por meio de uma tecnologia avançada de mapeamento remoto, utilizando um laser embarcado em avião, conhecido como LiDAR (Light Detection and Ranging). O sensor permite reconstruir os elementos da superfície em um modelo 3D com um nível extraordinário de detalhes. Vinicius Peripato explica: “A partir dos modelos 3D da superfície é possível remover digitalmente toda a vegetação e iniciar uma investigação precisa e detalhada do terreno sob a floresta”. A equipe utilizou várias bases de dados LiDAR que foram inicialmente obtidas para estimativas de biomassa. Peripato afirma que “dada a riqueza de informações contidas nesses dados, partimos para a investigação arqueológica. Investigamos um total de 0,08% da Amazônia e encontramos 24 estruturas, jamais catalogadas, nos estados brasileiros de Mato Grosso, Acre, Amapá, Amazonas e Pará”.

Usando todos os registros de obras terra encontrados até agora (961), a equipe também quantificou quantas estruturas ainda podem ser encontradas e demonstrou que dezenas de espécies de árvores estão relacionadas com essas ocupações antigas que remontam de 1.500 a 500 anos atrás. Essas estruturas são conhecidas como “obras de terra”, e são anteriores à chegada dos europeus no continente. Estas, também estão, normalmente, associadas à outros tipos de modificações da paisagem, que comprovam a presença de ocupações indígenas em várias regiões da Amazônia (como, as terras pretas de índio e a presença de espécies domesticadas, entre outras evidências).

"Prevemos que 90% da floresta Amazônica tem uma probabilidade muito baixa de ter obras na terra, então esse tipo de modificação nas florestas amazônicas pode ter ocorrido principalmente em 10% de sua área", disse Hans ter Steege, do Naturalis Biodiversity Center e da Universidade de Utrecht. Carolina Levis da Universidade Federal de Santa Catarina vai além, afirmando: "Tempos atrás, os ecólogos viam a Amazônia como a grande floresta intocada, mas agora, combinando outros tipos de vestígios pré-colombianos, podemos perceber como muitos locais que hoje sustentam uma densa floresta já foram submetidos à extensas obras de engenharia e ao cultivo e domesticação de plantas pelas sociedades pré-colombianas. Esses povos dominavam técnicas sofisticadas de manejo da terra e das plantas, em certos casos, ainda presentes nos conhecimentos e práticas dos povos atuais que podem inspirar novas formas de conviver com a floresta sem a necessidade de destruí-la".

Distribuição geográfica de terraplanagens geométricas pré-colombianas conhecidas e recentemente descobertas na Amazônia.

Figura. Distribuição geográfica de terraplanagens geométricas pré-colombianas conhecidas e recentemente descobertas na Amazônia.
(A) Mapa de terraplanagens relatadas anteriormente e recentemente descobertas (círculos roxos e estrelas amarelas, respectivamente) relatadas neste estudo em seis regiões amazônicas: Amazônia central (CA), Amazônia oriental (EA), Escudo das Guianas (GS), noroeste da Amazônia ( NwA), Sul da Amazônia (SA) e Sudoeste da Amazônia (SwA). (B) Terraplanagens recentemente descobertas em SA. (C a F) Terraplanagens recentemente descobertas em SwA. (G a I) Terraplanagens recentemente descobertas em GS. (J e K) Terraplanagens recentemente descobertas na CA. Barras de escala, 100 m.

Todos os resultados quantitativos mencionados acima, inclusive a informação trazida pelo título do artigo, foram obtidos após aplicação da metodologia recentemente desenvolvida por Guido Moreira, em sua tese de doutorado em Estatística da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Dani Gamerman. A abordagem Bayesiana da Estatística é utilizada para propor uma análise de regressão exata para as ocorrências observadas de registros de obras pré-colombianas. A exatidão é alcançada pelo uso de um mecanismo de aumento de dados que incluem os registros de obras pré-colombianas ainda não observados e seu padrão de observabilidade.

Até agora, essas obras de terra eram comumente encontradas por meio de imagens de sensores ópticos, disponibilizadas na plataforma Google Earth. No entanto, essas imagens permitem somente identificar essas estruturas em áreas já desmatadas. O LiDAR, por outro lado, permitiu a equipe de cientistas encontrar novas evidências embaixo das copas da floresta densa. Devido à extensão da floresta amazônica e às dificuldades de estudar áreas remotas, este estudo lança previsões testáveis sobre locais pouco conhecidos da Amazônia, onde novos trabalhos de campo provavelmente descobrirão sítios arqueológicos de dimensões monumentais e ainda bem preservados dentro da floresta.

Luiz Aragão, um dos líderes da pesquisa e chefe da DIOTG/CCGCT/INPE, destaca que "Esta pesquisa representa um avanço tecnológico e científico enorme. O estudo avança o conhecimento em quatro grandes áreas, como na própria arqueologia, por meio de novas descobertas, nas ciências ambientais, demonstrando o nível de interferência humana na região, que pode ter implicações para seu funcionamento atual e como modelamos seu futuro, finalmente, nas áreas de computação aplicada, que possibilitou a análise dos milhões de pontos presentes nos dados LiDAR e na modelagem estatística da distribuição das feições estudadas”.

Aragão também ressalta que “a ciência nacional é muito bem conceituada internacionalmente, mas a sociedade brasileira ainda precisa valorizá-la para que os investimentos necessários sejam aplicados e permitam sua sustentabilidade”. “Neste estudo mostramos para o mundo que temos pesquisadores de nível internacional no país, que formamos, em nossos cursos de pós-graduação, profissionais de excelência e que temos competência para liderar estudos complexos com vasta equipe internacional e multidisciplinar”, completa Aragão.

Este estudo inédito ainda provê subsídios para debates atuais. Estas evidências devem ser consideradas em discussões como a do marco temporal de terras indígenas no Brasil. "Esta pesquisa traz inúmeras evidências da ocupação ancestral da floresta amazônica por povos originários, de suas formas de vida e da relação estabelecida por eles com a floresta", afirmam os autores. "A proteção de seus territórios, línguas, culturas e heranças deve ser compreendida como milenar".

Artigo: “More than 10,000 Pre-Columbian earthworks are still hidden throughout Amazonia” por Vinicius Peripato e colaboradores na revista Science está disponível em https://www.science.org/doi/10.1126/science.ade2541